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segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

A EXECUTIVA BEM SUCEDIDA



 Foi tudo muito rápido. A executiva bem-sucedida sentiu uma pontada no
 peito, vacilou, cambaleou. Deu um gemido e apagou. Quando voltou a abrir
 os olhos, viu-se diante de um imenso Portal.

 Ainda meio zonza, atravessou-o e viu uma miríade de pessoas.Todas vestindo
 cândidos camisolões e caminhando despreocupadas. Sem entender bem o que  estava acontecendo, a executiva bem-sucedida abordou um dos passantes:

 - Enfermeiro, eu preciso voltar urgente para o meu escritório, porque
 tenho um meeting importantíssimo. Aliás, acho que fui trazida para cá por
 engano, porque meu convênio médico é classe A e isto aqui está me
 parecendo mais um pronto-socorro. Onde é que nós estamos?

 - No céu.

 - No céu?...

 - É.

 - Tipo assim... o céu, CÉU...! Aquele com querubins voando e coisas do
 gênero?

 - Certamente. Aqui todos vivemos em estado de gozo permanente.

 Apesar das óbvias evidências: nenhuma poluição, todo mundo sorrindo,
 ninguém usando telefone celular, a executiva bem-sucedida custou um pouco
 a admitir que havia mesmo apitado na curva.

 Tentou então o plano B: convencer o interlocutor, por meio das infalíveis
 técnicas avançadas de negociação, de que aquela situação era inaceitável.
 Porque, ponderou, dali a uma semana iria receber o bônus anual, além de
 estar fortemente cotada para assumir a posição de presidente do conselho
 de administração da empresa.

 E foi aí que o interlocutor sugeriu:

 - Talvez seja melhor você conversar com Pedro, o síndico.

 - É? E como é que eu marco uma audiência? Ele tem secretária?

 - Não, não. Basta estalar os dedos e ele aparece.

 - Assim? (...)

 - Pois não?


 A executiva bem-sucedida quase desaba da nuvem. À sua frente, imponente,
 segurando uma chave que mais parecia um martelo, estava o próprio Pedro.

 Mas a executiva havia feito um curso intensivo de approach para situações
 inesperadas e reagiu rapidinho:

 - Bom dia. Muito prazer. Belas sandálias. Eu sou uma executiva
 bem-sucedida e...

 - Executiva... Que palavra estranha. De que século você veio?

 - Do 21. O distinto vai me dizer que não conhece o termo 'executiva'?

 - Já ouvi falar. Mas não é do meu tempo.

 Foi então que a executiva bem-sucedida teve um insight. A máxima
 autoridade ali no paraíso aparentava ser um zero à esquerda em modernas
 técnicas de gestão empresarial. Logo, com seu brilhante currículo
 tecnocrático, a executiva poderia rapidamente assumir uma posição
 hierárquica, por assim dizer, celestial, ali na organização.

 - Sabe, meu caro Pedro. Se você me permite, eu gostaria de lhe fazer uma
 proposta. Basta olhar para esse povo todo aí, só batendo papo e andando à
 toa, para perceber que aqui no Paraíso há enormes oportunidades para dar
 um upgrade na produtividade sistêmica.

 - É mesmo?

 - Pode acreditar, porque tenho PHD em reengenharia. Por exemplo, não vejo
 ninguém usando crachá. Como é que a gente sabe quem é quem aqui, e quem
 faz o quê?

 - Ah, não sabemos.

 - Entendeu o meu ponto? Sem controle, há dispersão. E dispersão gera
 desmotivação. Com o tempo isto aqui vai acabar virando uma anarquia. Mas
 nós dois podemos consertar tudo isso rapidinho, implementando um simples
 programa de targets individuais e avaliação de performance.

 - Que interessante...

 - É claro que, antes de tudo, precisaríamos de uma hierarquização e um
 organograma funcional, nada que dinâmicas de grupo e avaliações de perfis
 psicológicos não consigam resolver.

 - !!!...???...!!!...???...!!!

 - Aí, contrataríamos uma consultoria especializada para nos ajudar a
 definir as estratégias operacionais e estabeleceríamos algumas metas
 factíveis de leverage, maximizando, dessa forma, o retorno do investimento
 do Grande Acionista... Ele existe, certo?

 - Sobre todas as coisas.

 - Ótimo. O passo seguinte seria partir para um downsizing progressivo,
 encontrar sinergias high-tech, redigir manuais de procedimento, definir o
 marketing mix e investir no desenvolvimento de produtos alternativos de
 alto valor agregado. O mercado telestérico, por exemplo, me parece
 extremamente atrativo.

 - Incrível!

 - É óbvio que, para conseguir tudo isso, nós dois teremos que nomear um
 board de altíssimo nível. Com um pacote de remuneração atraente, é claro.
 Coisa assim de salário de seis dígitos e todos os fringe benefits e
 mordomias de praxe. Porque, agora falando de colega para colega, tenho
 certeza de que você vai concordar comigo, Pedro. O desafio que temos pela
 frente vai resultar em um Turnaround radical.

 - Impressionante!

 - Isso significa que podemos partir para a implementação?

 - Não. Significa que você terá um futuro brilhante... se for trabalhar com
 o nosso concorrente. Porque você acaba de descrever, exatamente, como
 funciona o Inferno...

 Max Gehringer
 (Revista Exame)



“Uma grande compaixão existe no fazer a todos felizes e contentes; uma grande ternura reside em remover tudo aquilo que impedem os homens de serem felizes e contentes.

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